Quaresma

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Com a celebração da Quarta-feira de Cinzas, iniciamos a Quaresma, tempo extraordinário de busca da conversão e vivência do tempo de graça e salvação. Através da oração, do jejum, da prática da caridade, da escuta da Palavra de Deus, da participação dos Sacramentos, na vida comunitária e na prática do amor solidário, somos convidados pela Mãe Igreja a viver, de maneira intensa, o momento mais importante do Ano Litúrgico e da história da salvação: a Páscoa. Por isso mesmo, a Quaresma nos prepara para esse momento sublime.

Devemos, contudo, alimentar o receio de que seja apenas mais uma Quaresma, que corre célere com a velocidade do tempo, sem pararmos para confrontar toda a nossa vida com Deus e com a Páscoa do Seu Filho Jesus Cristo. Receio de que a Páscoa nos surpreenda na rotina da nossa vida. Que não tomemos a sério a advertência do Apóstolo Paulo: “Este é o tempo favorável, este é o dia da salvação” (2Cor. 6,2).

Qual o significado da Quaresma em uma sociedade secularizada? A Quaresma é, para a Igreja, um momento de verdade, de se assumir como “resto fiel”, povo que o Senhor escolheu e conduz. É o tempo propício para assumirmos corajosamente a nossa diferença no mundo em que vivemos: diferença na fé, nas motivações e nos critérios. É tempo de penetrar nos desígnios de Deus a nosso respeito, de percebermos que Ele tem uma vontade para o Seu povo, onde revela os caminhos da vida e que nos fortalece com o Seu Espírito, para podermos percorrê-los. Tomemos consciência de que a Quaresma tem de ser, para nós, tempo de discernimento e de fidelidade.

A Quaresma nos pede, em primeiro lugar, uma amizade sincera e profunda com Nosso Senhor. Nesse sentido, é atual o grito dramático do Profeta Joel: “Convertei-vos a Mim, de todo o coração, com jejuns, lágrimas e lamentações. Rasgai o vosso coração, não os vossos vestidos. Convertei-vos ao Senhor vosso Deus” (Jl 2,12-13). Num tom igualmente sério, São Paulo Apóstolo escreve aos Coríntios: “Nós vos pedimos, em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus” (2Cor 5,20). Portanto, se nós, cristãos, não acolhemos estes apelos, quem os há de ouvir?

Este tempo litúrgico quer, ainda, nos ajudar a voltar os olhos para Deus, numa sociedade em que Deus foi relativizado. Está na moda fazer um profissão de fé do agnosticismo. O homem, considerado como indivíduo, e não como pessoa, necessariamente comprometido com uma comunidade, tornou-se o único critério de verdade e de discernimento ético. Deus deixou de ter lugar na história. Apesar do apregoado respeito pelas religiões e pela fé de quem acredita, alguns não hesitam em brincar com o sagrado; chegou-se mesmo a apregoar, em nome da liberdade, o direito à blasfêmia.

Urge reafirmar que, para nós que buscamos o rosto de Deus e procuramos viver a vida em diálogo com Ele, isso nos indigna e magoa, porque temos gravado no nosso coração aquele mandamento primordial: “não invocarás o Santo Nome de Deus em vão”, porque com o sagrado não se brinca. O respeito pelo sagrado é algo que a cultura não pode pôr em questão, mesmo em nome da liberdade. A todos esses que sentem não acreditar em Deus, eu digo em nome dos meus irmãos na fé em Cristo: a vossa dificuldade em acreditar em Deus não toca na realidade insofismável de Deus. Nós respeitamos a vossa descrença e não hesitamos em dar-vos as mãos em todas as lutas pelo bem e por causas justas. Mas respeitai a nossa fé, mesmo no exercício da vossa liberdade. Sobretudo, respeitai Deus em quem acreditamos.

Nesse primeiro dia da Quaresma, dia de jejum e de abstinência de carne, ouviremos o apelo dramático para sermos abertos à conversão ao Senhor nosso Deus, que nos chama à conversão, à penitência e à mudança radical de vida, procurando redescobrir a Sua Lei, a santa Lei de Deus. Ele tem uma vontade a nosso respeito, um desígnio de amor que nos revela pela Sua Palavra. A Lei de Deus é revelação e chamamento e o exercício da nossa liberdade só pode ser uma obediência a essa Palavra. Esse caminho de obediência é difícil e exigente, mas é possível com a força do Seu amor. Só Deus torna possível a nossa fidelidade, vivendo a vida segundo a Sua vontade, percorrendo os caminhos do Seu desígnio.

A Quaresma é um tempo em que somos chamados a viver ao ritmo da graça, recorrendo a todas as ajudas que, para isso, Deus nos dá por Jesus Cristo, através da força sacramental da Igreja. Não tenhamos ilusões. Muitas das fragilidades dos cristãos devem-se ao fato de reduzirem a sua vida à ordem da natureza, esquecendo que a retidão natural, mesmo que se consiga, não é ainda a santidade. Daí, a Quaresma nos apresenta uma forte interpelação à conversão, o que significa aceitar os nossos pecados e a confiança na misericórdia transformadora de Deus. Não tenhamos ilusões: somos todos pecadores e talvez o nosso principal drama seja o de não identificarmos os nossos pecados, no concreto da nossa vida. E essa situação só mudará se nos convertermos ao Deus Vivo e voltarmos a amar a Sua Lei. A conversão é uma experiência de realismo e de confiança: realismo de quem reconhece o seu pecado, confiança na infinita misericórdia de Deus: “Ele é clemente e compassivo, paciente e misericordioso, pronto a desistir dos castigos que promete” (Jl 2,13).

Com a cerimônia da imposição das cinzas, neste dia, inaugura-se a Quaresma, estação espiritual particularmente relevante para todo cristão que quer se preparar dignamente para viver o Mistério Pascal, quer dizer, a Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor Jesus. Este tempo vigoroso do Ano Litúrgico se caracteriza pela mensagem bíblica que pode ser resumida em uma palavra: “matanoeiete”, que quer dizer “convertei-vos”. Este imperativo é proposto à mente dos fiéis mediante o austero rito da imposição das cinzas, o qual, com as palavras “Convertei-vos e crede no Evangelho” e com a expressão “Lembra-te de que és pó e para o pó voltarás”, a Igreja convida todos à reflexão sobre o dever da conversão, recordando a inexorável caducidade e efêmera fragilidade da vida humana, sujeita à morte. A sugestiva cerimônia das cinzas eleva nossa mente à realidade eterna que não passa jamais, a Deus, princípio e fim, alfa e ômega de nossa existência.

A conversão não é, com efeito, nada mais que um voltar a Deus, valorizando as realidades terrenas sob a luz indefectível de sua verdade. Uma valorização que implica uma consciência cada vez mais diáfana do fato de que estamos de passagem neste fadigoso itinerário sobre a terra e que nos impulsiona e estimula a trabalhar até o final, a fim de que o Reino de Deus se instaure dentro de nós e triunfe em sua justiça.

Oração, conversão, penitência, jejum, esmola (cf. Mt 6,1-6.16-18), mudança de mentalidade, são estas expressões de livre positivo esforço no seguimento de Cristo, buscando uma vida digna, com segurança, sempre sintonizados com a Campanha da Fraternidade com o tema “Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida”e o lema “Cultivar e guardar a criação” (Gn 2,15)”. Que tenhamos uma Quaresma realmente propícia para a mudança de mentalidade e para a busca do Rosto de Deus.

Padre Wagner Augusto Portugal – Vigário Judicial da Arquidiocese de Juiz de Fora MG

Do Informativo São José de março 2017

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