Ser misericordioso é ser bondoso sem recessos e exceções, ser disponível sem esperar nada em troca, é ser bom samaritano (Lc 10, 30-35). “A misericórdia é a compaixão que o nosso coração experimenta pela miséria alheia, que nos leva a socorrê-la, se o pudermos” (Santo Agostinho, em A Cidade de Deus). Misericórdia é fé e são obras (CIC 2447).
O senso humano de justiça é “dar a cada pessoa o que lhe é devido”, é “pagar o que se deve”. O princípio divino da virtude da misericórdia supera a justiça, pois, oferece o que é bom com fartura, sem limites, com vontade de perdoar, mesmo quando o destinatário da oferta ainda não a quer aceitar ou não faz por merecê-la (CIC 211 e 2840).
Misericórdia, do latim, miserere (ter compaixão), e cordis (coração). Uma de suas características, portanto, é ser afetiva. Deus não é passional, porém, quando se fez humano por algum tempo (CIC 545, 589, 1439, 1846) se fez exemplarmente afetivo (Mt 9, 36; 14, 14; 15, 32). Nós somos afetivos, passionais e temos dificuldade para lidar com isto: tendemos a selecionar quem receberá nossa misericórdia como se o próximo fosse obrigado a ser conforme queremos que seja e a ajudar sem afetar nossa zona de conforto; sentimos, rezamos e discursamos misericórdia, mas a realizamos aquém do que podemos; negamos a misericórdia de outros ou a aceitamos com segundas intenções. À característica de ser afetiva acrescente-se a de ser efetiva: o que sentimos, discursamos e rezamos devemos tornar em realidade.
Faremos pouco ante tanto por fazer, nem tudo acertaremos, nem todos contentaremos. Entretanto, com discernimento e comprometimento, nossas orações pautarão nossas atitudes, quanto mais uma corresponda à outra (CIC 2447). E quando não pudermos aparentemente realizar, realmente poderemos, orando: orações são belíssimas atitudes concretas, desde que não usadas como disfarce para falso cristianismo mais interesseiro que verdadeiro e interessado.
Às duas características da virtude da misericórdia soma-se a retidão: “virtude de seguir, sem desvios, a direção indicada pelo senso de justiça, pela equidade; virtude de estar em conformidade com a razão, com o dever; integridade, lisura, probidade”.Tomemos por exemplo um filho avesso ao estudo e ao trabalho, seus pais tendo que decidir por alguma efetividade: com retidão, não terão garantia de quando, como e o quanto o problema será resolvido, porém, haverá probabilidade, esperança; sem efetividade e/ou retidão, dificilmente deixarão de contribuir para piorar o que já é grave.
Todas as virtudes brotam da caridade, especialmente, a do perdão, que nos vai purificando em nossa capacidade de amar, e dentre seus frutos estão alegria, paz e misericórdia. A caridade é amor e finalidade da nossa vida: escolhendo o caminho e caminhando bem, ao amor chegaremos e nele repousaremos (CIC 1822 a 1829).
Exemplos de como aceitar e doar misericórdia? Os Santos. “A intercessão dos Santos não substitui a única e essencial mediação de Cristo”, somente a Deus adoramos e a eles veneramos (homenageamos), pois cada um “viveu conforme a vontade de Deus, sendo um modelo de vida para todos”. Ao escolhermos aceitar a virtude da misericórdia, o fazendo com mais acertos que erros, estaremos iniciando nosso difícil e viável processo de santificação, apesar de pecadores. Ora, como não nos entusiasmarmos e espelharmos em inúmeros testemunhos misericordiosos dados por Santos conhecidos e anônimos, vários já lá no Céu, outros por aqui ainda, e orar pedindo intercessão misericordiosa a algum com o qual sintamos afinidade? “Se, aqui na Terra, os Santos, em vida, rezavam e trabalhavam tanto por nós, quanto mais não o farão no Céu, diante de Deus” (São Jerônimo).
Dentre os Santos precede Nossa Senhora: por sua participação determinante na história da Salvação (CIC 2677) é venerada como intercessora maior junto a Jesus e Mãe de Misericórdia. É cheia de Graça por ser cheia de Deus, que é cheio de misericórdia (CIC 2673 a 2678). É a rezadora perfeita: rezar a ela é aderir ao Plano de Deus (CIC 2679). Quem decide e realiza é Jesus, mas ela intercede (Jo2, 1-11). Diz um verso da canção Senhora e Rainha, do Padre Zezinho: “Não és deusa, não és mais que Deus, mas depois de Jesus, o Senhor, neste mundo ninguém foi maior”.
Orações espontâneas e estabelecidas envolvem sempre misericórdia: se eventualmente falta no íntimo de quem reza, jamais falta naqueles que escutam no Céu. Por isto, na Ave Maria contida no Terço ou no Rosário nascidos da piedade popular a repetição aparente é a da oração e das palavras que a compõem; a repetição real é na verdade reiteração e multiplicação: da misericórdia vinda do Céu para quem reza e pelos aos quais reza. Quanto mais na Missa, a maior das orações, na qual celebramos a obra de misericórdia de Jesus por nós, e que nos remete à missão que é nossa vida, vocacionada a ser toda ela a nossa obra de misericórdia.
José Carlos de Oliveira, editor do ISJ – radioplena.com.br – josecarlosdeoliveira.com.br