WhatsApp e o 8º Mandamento

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Após ouvir a confissão de um penitente sobre uma calúnia dita, que provocara a expulsão de um cidadão num vilarejo italiano no século XVI, São Felipe Neri, o Santo da Alegria, pede-lhe que traga uma galinha para o almoço. Orientou que a fosse depenando pelo caminho entre a casa e a igreja, para não se atrasar. Pasmo, o penitente cumpriu a solicitação rapidamente, e ao chegar perguntou: “Padre, esta é a minha penitência?!”. Respondeu o sacerdote: “Não, meu filho. A sua penitência é recolher, agora, todas as penas da galinha…” O pobre homem, em desespero, retrucou: “Mas, padre, estão espalhadas por toda parte, com esta ventania! Eu a depenei enquanto andava…”. Finalizando, disse o Santo: “Assim é uma calúnia. Depois de feita, não se recolhe todos os seus estragos”.
O fato anedótico encontra uma realidade atualizada, passados cinco séculos. Falo do WhatsApp ou de qualquer outra rede social de comunicação. O tema já foi tratado, mas gostaria de retomá-lo para enfatizar a questão com repercussões universais: a calúnia ou a dúvida sobre a verdade. A questão filosófica e teológica sobre o que é a verdade não é de hoje. Lemos em João (18,38) a famosa pergunta de Pilatos a Cristo: “O que é a verdade?”. A reflexão dessa questão existencial não é o que agora nos ocupa, mas sim o que estão fazendo da realidade dos fatos ocorridos, concretos e verificáveis. O que hoje assusta é a capacidade de “criarmos” uma realidade virtual que jamais existiu e transmiti-la como uma verdade ao mundo. Os recursos com aplicativos cada vez mais sofisticados fazem com que saia em um vídeo, pela boca do interlocutor, algo que jamais foi dito por ele. É possível introduzir a imagem de indivíduos em locais onde eles nunca estiveram. Enfim, cria-se uma história que envolve pessoas que nem sequer tomaram conhecimento do ocorrido, e o pior, frequentemente, para denegrir a imagem de alguém ou para criar um elogio sobre o que não se fez. O assunto já ultrapassou os limites da brincadeira há muito tempo… Pensemos na quantidade de penas que estão sendo espalhadas pelo mundo afora.
Cada vez mais a técnica consegue elaborar esses fatos com tamanha perfeição, que o desmentido fica duvidoso. Antes que se chegue à veracidade, esta já está sendo desmentida ou confirmada inúmeras vezes. As consequências podem levar a fins trágicos, como separações conjugais, brigas entre amigos íntimos de anos, desavenças entre pais e filhos, bem como entre parentes. No campo da especulação financeira, pode gerar falências, perda de capital, acarretando transtornos sociais graves como desemprego, desvios de recursos, corrupção, campanhas de doações falsas. E o que não dizer também no âmbito da fé, que toca a intimidade da crença e esperança das pessoas. São notícias que distorcem o que foi dito, que colocam em dúvida fatos consumados por séculos. A credibilidade desaba e a intimidade é simplesmente violada despudoradamente.
Acrescente-se que cada vez mais as pessoas estão se acostumando a “viver” pelo que está nesses veículos de informações e comunicação. As livrarias estão em falência pela falta de compra de livros. Será que os leitores estão todos nos e-books!!? As pessoas não têm mais paciência de esperar com discernimento para confirmar o fato por uma investigação adequada. Falta dedicação para ler mais do que uma página ou ouvir mais do que três minutos ou assistir a um vídeo de mais que cinco minutos. Dessa forma, vamos participando de pedaços dos fatos, como que montando um quebra-cabeças com peças de diferentes figuras. Formam-se criaturas de Frankenstein. Tudo deve ser compartilhado com todos, imediatamente, com grupos que se envolvem com outros grupos, que quem transferiu já não conhece. O que para alguém parece brincadeira pode alcançar nessas transferências pessoas que sofrerão consequências tristes, por não dizer o pior.
Que falta nos faz uma profunda meditação do 8º Mandamento: “Não apresentarás um falso testemunho contra teu próximo”. É urgente educar para essa advertência, que é uma atitude de amor. É fundamental esforçar-se por vencer esse vício que já toma conta de muitos, como uma epidemia universal. A vacina está no 8º Mandamento. Não se pode admitir que não há volta. O esforço pela virtude é sempre vitorioso quando se mantém a esperança.

Dr. Valdir Reginato – médico de Família

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